sábado, 19 de janeiro de 2013

Antropofagia

Mulher! Ao ver-te nua, as formas opulentas
Indecisas luzindo à noite, sobre o leito,
Como um bando voraz de lúbricas jumentas,
Instintos canibais refervem-me no peito.
Como a besta feroz a dilatar as ventas
Mede por dar-lhe o bote ajeito,
Do meu fúlgido olhar às chispas odientas
Envolvo-te, e, convulso, ao seio meu t’estreito:
E ao longo de teu corpo elástico, onduloso,
Corpo de cascavel, elétrico, escamoso,
Em toda essa extensão pululam meus desejos,
- Os átomos sutis, – os vermes sensuais,
Cevando a seu talante as fomes bestiais
Nessas carnes febris, – esplêndidos sobejos.

Francisco Antônio de Carvalho Júnior

Foto: Não foi possível identificar o autor

Poeminha de louvor ao strip-tease secular

Eu sou do tempo em que a mulher
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;
Mas foi na praia!

A moda avança
A saia sobe mais
Mostra os joelhos
Infernais!

As fazendas
Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:
Quase nuas.
E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno
Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.

Deus,
A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!

Millôr Fernandes

Foto: Não foi possível identificar o autor




   vertigo

ver        te

   comigo




Paulo Leminski


foto: Pavel Kiselev




pedaço de prazer
perdido
num canto do quarto escuro
inferno paraíso
vivo ou morto
te procuro



Paulo Leminski 



foto: Liene Stevens

Bilhete para Lily


Meus braços vão entrar no jogo
Tontos, em volta das delícias
Que estão abaixo da cintura.
As mãos, depois de derrotarem
A ira fingida de suas mãos,
Darão palmadas carinhosas
No teu traseiro, onde haverá
Novo embate, depois porei
A gravidade no teu centro…
Sou eu quem bate. Ai, grita: Entra!


Paul Verlaine

Foto: Não foi possível identificar o autor

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A prece de um pagão




Não deixes esfriar tua chama!
Minha alma entorpecida aquece,
Volúpia, inferno de quem ama!
Escuta, diva, a minha prece!
Deusa no espaço derramada,
Flama que dentro de nós desperta,
Atende a esta alma enregelada,
Que um brônzeo cântico te oferta.
Volúpia, abre-me a tua teia,
Toma o perfil de uma sereia
Feita de carne e de veludo,
Ou verte enfim teu sono mudo
No vinho místico e disforme,
Volúpia, espectro multiforme!


Charles Baudelaire

Foto: Não foi possível identificar o autor 

domingo, 13 de janeiro de 2013

Da sedução dos anjos



Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete -
- Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar.

Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P'ra que do choque no fim te não caia.

Exorta-o a que agite bem o cu
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido

Desde que entre o céu e a terra flutue -
Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.

Bertolt Brecht

Foto: nao foi possível identificar o autor

19 de abril



… Saí com júbilo escolar nas pernas,
frases bem compostas de pornografia pura,
meninas de saiote que zumbiam nas escadas
íngremes. Galguei a ladeira com caretas,
antecipando o frio e os sons eróticos povoando
a sala esfumaçada.


Ana Cristina Cesar

foto: nao foi possível identificar o autor

sábado, 12 de janeiro de 2013

Soneto da devoção

Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez... — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!


Vinicius de Moraes 

foto: Anna Shaulskaya

Volúpia



No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
- Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…

Florbela Espanca

foto: Daniel Sasso

Canção em Quatro Sonetos


I

A maçã precipitada, os incêndios da noite, a neve forte:
e a rude beleza da cabeça.
- Quem ouvirá em que planetas esta imagem
da minha morte, quando eu abrir o lenço
sobre o coração terrível e suspenso?
Uma criança de sorriso cru
vive em mim sem dar um passo, amando
respirar em sua roupa o cheiro
do sangue maternal. O vício
do sono apouca as frias glicínias
do seu cabelo inocente,
inocente. Ela não sofre e apenas sente
a máquina que é, com cabeleira e dedos cheios
de energia rápida: a magia, os segredos.

II

Tantos nomes que não há para dizer o silêncio -
a combustão interior do tempo;
uma maçã cortada, uma pomba de éter:
o pensamento.
Não te chames mais, adolescente
comendo uvas negras.
Abres a camisa em que escutas todas as mãos do vento.
E vês atrás de ti as máquinas resolutas
de fabricar as formas rápidas,
e convulsas, do esquecimento.
Isto no ar há-de ficar como frio limpo.
O meu nome parou diante
do instante mortal que o guardara.
Evapora-se a roupa, mas não sinto.

III

às vezes, sobre um soneto voraz e abrupto, passa
uma rapariga lenta que não sabe,
e cuja graça se abaixa e movimenta na obscura
pintura de um paraíso mortal.
Nesse soneto noturno escrevo que grito, ou então que durmo,
ou às vezes que enlouqueço. E a matéria grave
e delicada do seu corpo pousa no centro
desse sopro feroz. E o soneto
veloz abranda um pouco, e ela curva o corpo
teatral - e o ânus sobe como uma flor animal.
O meu pénis avança, no soneto que soletro
como uma dança, ou um peixe negro nos
frios planos sombrios e sonâmbulos:
- a aliança intrínseca de um pénis e de um ânus.

IV

Sobre os cotovelos a água olha o dia sobre
os cotovelos. Batem as folhas da luz
um pouco abaixo do silêncio. Quero saber
o nome de quem morre: o vestido de ar
ardendo, os pés em movimento no meio
do meu coração. O nome:
madeira que arqueja, seca desde o fundo
do seu tempo vegetal coarctado.
E, ao abrir-se a toalha viva, o
nome: a beleza a voltar-se para trás, com seus
pulmões de algodão queimando.
Uma serpente de ouro abraça os quadris
negros e molhados. E a água que se debruça
olha a loucura com seu nome: indecifrável, cego

Herberto Helder

foto: não foi possível identificar o autor...

Cobra


A força do medo verga a constelação do sexo.
Pelos canais nocturnos entra o mel, sai
              o veneno branco.
O sono estrangula as chamas da cabeça nos veios atados.
As costas crepitam numa linha lunar
              de clarabóias. Rutila
a flor do alimento, talhada: o ânus.
E brilha rebrilha, uma luva puxada pelo avesso,
              o corpo
              puxado pelo avesso
com as estrelas desfechadas.
             As casas ateiam-se.

Herberto Helder, Cobra (fragmento)

foto: Jeff Bark

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Sede


cedeu
cedo,
sentada

suas
sedes,
suadas


ou

sedou-me
cedendo
cedo
sua
suada
seda

Foto: FFFFound