I
A maçã precipitada, os
incêndios da noite, a neve forte:
e a rude beleza da
cabeça.
- Quem ouvirá em que
planetas esta imagem
da minha morte, quando
eu abrir o lenço
sobre o coração
terrível e suspenso?
Uma criança de sorriso
cru
vive em mim sem dar um
passo, amando
respirar em sua roupa
o cheiro
do sangue maternal. O
vício
do sono apouca as
frias glicínias
do seu cabelo
inocente,
inocente. Ela não
sofre e apenas sente
a máquina que é, com
cabeleira e dedos cheios
de energia rápida: a
magia, os segredos.
II
Tantos nomes que não
há para dizer o silêncio -
a combustão interior
do tempo;
uma maçã cortada, uma
pomba de éter:
o pensamento.
Não te chames mais, adolescente
comendo uvas negras.
Abres a camisa em que
escutas todas as mãos do vento.
E vês atrás de ti as
máquinas resolutas
de fabricar as formas
rápidas,
e convulsas, do
esquecimento.
Isto no ar há-de ficar
como frio limpo.
O meu nome parou diante
do instante mortal que
o guardara.
Evapora-se a roupa,
mas não sinto.
III
às vezes, sobre um
soneto voraz e abrupto, passa
uma rapariga lenta que
não sabe,
e cuja graça se abaixa
e movimenta na obscura
pintura de um paraíso
mortal.
Nesse soneto noturno
escrevo que grito, ou então que durmo,
ou às vezes que
enlouqueço. E a matéria grave
e delicada do seu
corpo pousa no centro
desse sopro feroz. E o
soneto
veloz abranda um
pouco, e ela curva o corpo
teatral - e o ânus
sobe como uma flor animal.
O meu pénis avança, no
soneto que soletro
como uma dança, ou um
peixe negro nos
frios planos sombrios
e sonâmbulos:
- a aliança intrínseca
de um pénis e de um ânus.
IV
Sobre os cotovelos a
água olha o dia sobre
os cotovelos. Batem as
folhas da luz
um pouco abaixo do
silêncio. Quero saber
o nome de quem morre:
o vestido de ar
ardendo, os pés em
movimento no meio
do meu coração. O
nome:
madeira que arqueja,
seca desde o fundo
do seu tempo vegetal
coarctado.
E, ao abrir-se a
toalha viva, o
nome: a beleza a
voltar-se para trás, com seus
pulmões de algodão
queimando.
Uma serpente de ouro
abraça os quadris
negros e molhados. E a
água que se debruça
olha a loucura com seu nome: indecifrável, cegoHerberto Helder
foto: não foi possível identificar o autor...
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